Com abertura
comercial, Brasil investe em construção civil e turismo e já é o quinto
parceiro comercial da ilha
Por: Daniella
Cambaúva e Breno Altman, do Opera Mundi
Com investimento brasileiro, Cuba reforma porto de
Muriel; obra conduzida pela Odebrecht ficará pronta em 2014 (Foto:
Divulgação/Odebrecht)
Havana - Miramar, um dos bairros mais tradicionais de Havana, local de
alguns dos melhores centros comerciais da capital cubana. Uma atenciosa
vendedora oferece sandálias coloridas de salto fino. “São brasileiras, de muita
qualidade. Pode sentar e provar”, avisa. Atrás daquele par, há uma pilha de
caixas com outros sapatos. Todos made in Brazil. Passou a ser comum encontrar,
nos principais municípios do país, ampla variedade de produtos brasileiros,
vendidos em pesos conversíveis.
Desde 2003, quando Luís Inácio Lula da Silva assumiu o governo, as
exportações para Cuba cresceram 5,9 vezes (ou 496%), de acordo com dados do
MDIC (Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior). O Brasil se
consolidou como quinto parceiro comercial da ilha, atrás apenas de Venezuela,
China, Canadá e Espanha. Segundo o MRE (Ministério de Relações Exteriores), as
importações de mercadorias brasileiras superaram os 600 milhões de dólares no
ano passado.
Óleo
de soja, milho, café e arroz lideram as exportações para Cuba. Com uma lista
menos extensa que a do parceiro, o Brasil compra basicamente charutos e
materiais utilizados na medicina, como a vacina contra meningite. O valor
dessas importações triplicou desde 2003.
Numa
tentativa de aumentar esse fluxo, empresários dos dois países se reúnem
periodicamente por meio do Grupo de Trabalho Brasil e Cuba, criado em 2008 e
coordenado pela Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportação e
Investimentos).
“Para
além dos contratos comerciais, a grande aposta brasileira na relação com Cuba é
o turismo”, diz Maurizio Coria, da Apex-Brasil. “Trabalhamos hoje com o
objetivo de desenvolver o setor turístico, trazer brasileiros para Cuba,
trabalhar para que haja vôos diretos”. No ano passado, 14 mil brasileiros
visitaram a ilha, incluindo trabalhadores e turistas. A meta, segundo Coria, é
chegar a 30 mil. “No Brasil, as pessoas desconhecem Cuba. Isso precisa mudar”,
completa.
Empresas mistas
Quando
o assunto é apostar no país caribenho, Antonio Nascimento fala com propriedade.
O administrador de empresas de Bauru, interior de São Paulo, mora há dois anos
em Havana e está à frente da primeira empresa brasileira a dividir capital com
o governo cubano – a Brascuba, do grupo Souza Cruz.
Dezesseis
anos atrás, a Souza Cruz reativou uma velha fábrica de cigarros semiabandonada,
em uma região afastada do centro de Havana. A empresa aproveitou a
oportunidade, aberta em 1995, por uma reforma constitucional que permitiu ao
Estado promover e incentivar o investimento estrangeiro. Cuba passava a
reconhecer, entre outras formas de propriedade, as empresas mistas. Pela
primeira vez desde 16 de abril de 1961, quando Fidel Castro proclamou o caráter
socialista da revolução, o país permitia a transmissão total ou parcial de bens
estatais à iniciativa privada, inclusive estrangeiras.
Para
os investidores estrangeiros, era como se uma mina de ouro tivesse sido
descoberta no Caribe. Em pouco mais de um ano, 285 empresas estatais e
privadas, vindas de 50 países dos cinco continentes, já estavam instaladas em
Cuba. O Canadá liderava a lista dos investidores, com 54 empresas, seguido da
Espanha (40), França (35), México (29), Inglaterra (29), Venezuela (20), Itália
(16) e Alemanha (11).
Nascimento
aponta, além das dificuldades naturais de uma sociedade com uma empresa estatal
– como a negociação de cada passo com o sócio cubano –, alguns problemas
inerentes à economia local. “Para você fazer um negócio sustentável aqui é preciso
mapear muito bem como será a logística, a operação, porque, por exemplo, há
falta de materiais, já que estamos numa ilha que depende muito de importações”,
analisa.
“Além
disso”, diz, “com o embargo norte-americano, a logística de importação muda muito
e é mais restritiva porque há menos barcos circulando em Cuba”. Mas o
empresário se mostra otimista: dos 13 bilhões de cigarros vendidos anualmente
em Cuba, a Brascuba tem 14% do volume e emprega 300 trabalhadores – 298 dos
quais são cubanos. A estatal Tabacuba, dona de 50% da Brascuba, detém a maior
parte do mercado: “Vim por desafio de negócio. Em Cuba, construir uma relação
de confiança é a fórmula para o sucesso”.
Seguindo
o rastro da Souza Cruz, outras empresas brasileiras estudam estabelecer plantas
industriais no país, geralmente através da modalidade de joint-ventures com
estatais cubanas. Os principais grupos interessados se concentram no setor
hoteleiro e no ramo de materiais para a construção civil (especialmente cimento
e vidro).
São
projetos destinados não apenas ao mercado interno, mas também para exportação
às demais nações caribenhas e do resto da América Latina, o que deixa os olhos
dos investidores atentos à flexibilização do bloqueio, o que poderia tornar o
acesso aos consumidores norte-americanos mais fácil e barato.
“Nós
não queremos exportar apenas mercadorias e serviços para Cuba”, afirma Hipólito
Gaspar, diretor-geral do escritório da Apex em Havana. “Nossa intenção é trazer
também capital e tecnologia, desenvolver uma política de integração da ilha com
o Brasil e o Mercosul.” Vários empresários brasileiros sentem-se atraídos pela
ideia. Afinal, além das questões de mercado, os cubanos têm a oferecer
mão-de-obra altamente qualificada, regimes monopolistas de funcionamento e um
sistema tributário extremamente simplificado. Além de algumas taxas
operacionais, o único imposto relevante recai sobre o lucro das empresas.
Atualmente
a vitrine da presença brasileira é a construção do porto de Mariel, executada
pela baiana Odebrecht. Presente no país desde 2007, a empreiteira mantém um
perfil discreto, atuando por meio de sua subsidiária COI – Companhia de Obras e
Infraestrutura. O objetivo da obra é construir um terminal internacional por
onde passe um milhão de contêineres por ano, a 40 quilômetros de Havana,
criando um poderoso eixo de desenvolvimento industrial e comercial.
O
contrato, com valor estimado em 800 milhões de dólares, foi financiado pelo
BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento), que entrou com 453 milhões de
dólares, com uma contrapartida de 350 milhões do governo cubano. O porto deve
estar concluído em 2014.
Na
semana retrasada, durante a primeira visita da presidenta Dilma Rousseff a
Cuba, o grupo Odebrecht anunciou sua entrada no setor de produção de açúcar, em
parceria com uma estatal cubana. A companhia brasileira fará o primeiro
investimento estrangeiro no setor, que foi aberto à iniciativa privada no ano
passado.
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